A quebra dos estereótipos masculinos em Brooklyn nine-nine




Não foi desculpa de quarentena, foi amor à primeira vista mesmo. Precisei apenas assistir o primeiro episódio para maratonar (com prazer) os demais episódios de Brooklyn nine-nine. A série é fantástica em tudo. Nunca achei que presenciaria um casamento tão bom entre uma série policial e uma enxurrada de piadas engraçadas.

Entretanto, o que me chamou a atenção foi a verdadeira quebra de estereótipos dos personagens homens da série. É em cima disto que comento.

Vou falar de cada personagem separadamente fazendo, quando conveniente, uma relação entre eles. Cuidado com os spoilers!

Jake Peralta: É o protagonista da série. Tem o status de melhor detetive da delegacia, mas é muito infantil, sempre fazendo piadas e brincadeiras com tudo e todos.

Segundo ele, a motivação de se tornar policial veio pela afeição com o personagem John McClane, da franquia Duro de Matar. McClane é conhecido por ser durão e carrega consigo tudo aquilo que representa a figura do “macho alfa”, mas Jake em momento algum apresenta essa ideia.

Ele não tem vergonha de admitir que errou (no episódio onde ele recusou que Gina comprasse o seu apartamento, por exemplo);
Foi compreensivo quando se declarou para Amy e ela não correspondeu;
Tem uma relação de amizade/respeito muito forte com Rosa (não enxergando ela de uma maneira sexual, indo contra o pensamento de que os homens só se tornam amigos de mulheres quando têm algum interesse sexual);
Ao saber que Amy era apaixonada por ele só se aproximou dela após terminar com a atual namorada, Sophia;
Incentivou a parceira (Amy) a realizar a prova para ser promovida à Sargento (mesmo que isso significasse que ela fosse se tornar a chefe dele);
E sempre teve uma amizade aberta e sincera com Boyle, sem medo do que os outros poderiam pensar.

Ou seja, praticou ações bem diferentes do esperado de um “macho alfa”, o que destaca que é possível ser um ótimo homem sem carregar consigo esse “título”.


“Sr. Santiago, estou ligando para informar que planejo pedir sua filha em casamento. Mas como estamos em 2017, não estou pedindo permissão, pois ela não é sua propriedade nem será minha se disser “Sim”. Ela é independente e não precisa de homem nenhum. Dito isso, espero que ela aceite. Mas a decisão é dela, não se meta!”

Charles Boyle: É o braço direito de Jake. Exímio conhecedor da gastronomia, tem um passado negativo quanto ao insucesso de seus relacionamentos amorosos.
Sua quebra de estereótipo está em fazer abertamente, com orgulho, “coisas de mulher”, que os homens geralmente têm medo de assumir.

Além da gastronomia, ele curte música, dança, artes, filmes que num primeiro momento são taxados como voltados ao público feminino. Também é visto como cupido da série, unindo casais (ele deu a ideia pro Marcus fazer uma festa de aniversário pra Rosa, foi ele quem organizou a cerimônia de casamento do Jake e da Amy, fora quando ele estava organizando o próprio casamento com a Vivian, nos mínimos detalhes, ou seja, “coisa de mulher”).

O ponto aqui é que ele não tem vergonha alguma em admitir que gosta disso, externalizando esses sentimentos, com gritinhos e abraços apertados (quando descobriu que Jake e Amy estavam namorando e quando ele foi chamado pra ser padrinho do casamento são ótimos exemplos).

Terry Jeffords: Sargento e superior imediato dos detetives, é aficionado em dietas e é extremamente musculoso, amedrontando qualquer um.

Quando se fala em um cara extremamente musculoso, já vem na hora a ideia de “machão”, uma pessoa fria e complicada de se lidar. Não é o caso de Terry. Apesar da sua aparência “assustadora”, é extremamente sensível quando se trata da esposa e das filhas. Ele demonstra que também é papel do pai fornecer apoio emocional pra elas.

Ele, inclusive, ficou afastado das ruas por um “incidente” que ocorreu em uma das operações onde demonstrou que tinha medo de morrer e deixar a família. No esquadrão é um verdadeiro paizão de todo mundo, tanto no profissional quanto no pessoal, contribuindo muito no desenvolvimento dos personagens.

Basicamente Terry mostra que é possível conciliar o fato de ser um homem forte e carinhoso, demonstrando seus sentimentos sem se preocupar em uma possível visão negativa disso.

Capitão Holt: É o superior maior da delegacia, possuindo uma personalidade muito séria e é extremamente apegado às formalidades.

A posição de capitão é uma grande conquista pessoal para ele, visto que passou tempos difíceis na Polícia de NY pelo fato de ser negro e homossexual.

Aí está a grande quebra de estereótipo da série: Um homem bastante sério e com voz grave nunca faria alguém imaginar que fosse homossexual. Tanto que os personagens não acreditam quando Gina, no primeiro episódio, dá um palpite que Holt é gay.

Ter um negro gay na posição de maior poder da delegacia é um fato que deve ser destacado, afinal de contas os negros e homossexuais geralmente são vistos nos enredos como vítimas. Outro ponto legal a se destacar é que o enredo não gira em torno da sua sexualidade. É uma informação que é dada, mas não muda o rumo da série (por exemplo, “vamos parar de respeitar ele, já que é gay”). Apesar de existirem algumas piadas sobre gays na série, nenhuma é ofensiva ou preconceituosa, pelo contrário, elas são piadas que justamente criticam o preconceito contra eles.

Ele ainda é visto como uma figura paterna pelo Jake, o que evidencia que mesmo sendo gay (não fazendo parte, portanto, de uma família tradicional), ainda tem uma capacidade “de criação” melhor do que o próprio pai biológico de Jake.

Por fim, cabe destacar que a série é muito discreta ao apresentar essas características, ou seja, não fica forçando para que os espectadores valorizem isso para elevar a moral da própria série ou de seus produtores. A trama decorre de maneira bastante natural, fazendo que inconscientemente percebamos estas movimentações.

Enfim, palmas para Brooklyn nine-nine!


Comentários